O Conhecimento - Fundamentos |
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1. Introdução |
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O presente trabalho visa obter uma compreensão do que é o conhecimento, baseada nas definições e idéias de pensadores de diversas áreas do conhecimento humano, como a Linguística, Filosofia, Sociologia, Pedagogia e Psicologia, afim de possibilitar o trabalho junto ao assunto, também multidisciplinar, de "Gestão do Conhecimento". A motivação para a realização do presente estudo é a concepção de uma infraestrutura de software, um sistema gerenciador de "conhecimentos", que viabilize a transferência do conhecimento na direção homem-máquina (em ambos os sentidos, homem-máquina e máquina-homem), e as transformações do conhecimento conforme descritas por Nonaka[3]. Observou-se a existência de diversos sistemas gerenciadores de conteúdos (softwares gratuitos e privados), disponíveis através da rede Internet, que trabalham muito bem com a questão do armazenamento de informações de uma determinada área do conhecimento, e a posterior recuperação destas informações por parte de seus usuários. Considera-se, entretanto, que durante a etapa de modelagem de um sistema gerenciador de "conhecimentos", o desenvolvedor deve ter em mente o conceito de que o conhecimento não é apenas constituído por informações, ainda que contextualizadas, mas também pelos conhecimentos implícitos dos usuários que o utilizam. Este aspecto, de conhecimentos tácitos detidos pelos usuários de um determinado grupo de trabalho ou pesquisa, não recebe o devido valor quando da elaboração de muitos dos sistemas gerenciadores de conteúdos existentes, e precisa ser contemplado, na etapa de modelagem de um sistema que se destine a favorecer os processos de aquisição e produção de conhecimentos por parte de seus usuários. Esta abordagem, contudo, não implica em que o conhecimento tácito seja implementado ou externalizado pelo sistema, mas sim que o último propicie aos seus usuários a possibilidade de os mesmos externalizarem seus conhecimentos, através de mecanismos como coleta de informações dos usuários, estudo das ações do usuário dentro do sistema, etc. |
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2. Considerações acerca do Conhecimento |
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Pesquisou-se, para a confecção do presente documento, trabalhos de diversos pensadores, como: Theodor Adorno, Max Weber, Jean Piaget, Nonaka e Takeuchi. As seções seguintes descrevem um pouco do pensamento de cada um destes autores, e tentam, na medida do possível, capturar o que seria a noção de "conhecimento" de cada um deles. |
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2.1. Theodor Adorno |
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"Perhaps the true society will grow tired of development and, out of freedom, leave possibilities unused, instead of storming under a confused compulsion to the conquest of strange stars." p.156 The new human type cannot be properly understood without awareness of what he is continuously exposed to from the world of things about him, even in his most secret innervations." p.40 |
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(1) Adorno, Minima moralia. Reflections from damaged life. |
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Adorno (1903-69) argumentava que "o capitalismo alimentou as pessoas com produtos de uma "indústria da cultura" - o oposto de uma "verdadeira" arte - afim de mantê-las passivamente satisfeitas e politicamente apáticas"[1]. |
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A indústria da cultura teria cultivado nas pessoas falsas necessidades. Estas necessidades podem ser tanto criadas quanto satisfeitas pelo sistema capitalista, as quais tomam o lugar das verdadeiras necessidades das pessoas - liberdade, expressão plena do potencial e criatividade humanas, felicidade genuína e criativa. Adorno critica o positivismo, e a sua influência sobre as ciências naturais e sociais. O Positivismo busca, em linhas gerais, estabelecer uma metodologia científica que possibilite a natureza ser explicada de forma objetiva através da teoria científica. |
No centro desta metodologia está a matemática, e portanto a quantificação. O projeto de positivismo pressupõe que seja possível para o cientista, e portanto para a própria instituição da ciência, ser desengajado de seu ambiente cultural. Adorno, assim como Horkheimer, defendem que a ciência é uma atividade cultural, e como tal não pode ser desvinculada de seu entorno econômico e social. Adorno defende a tese de que "a base material da sociedade contemporânea nega o seu (da sociedade) acesso a qualquer tipo de conhecimento absoluto". |
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2.2. Max Weber |
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Ao final do século XIX, ocorreu uma crise do pensamento econômico conhecida por revolução neoclássica ou marginalista, conforme descreve MONTEIRO[2]. Havia pelo menos duas linhas de pensamento divergentes, a dos economistas de tradição historicista, e seguidores de Carl Menger (1840-1921). Este último se contrapunha aos primeiros ao propor, segundo Outhwaite (1996, p 85-86), uma abordagem analítica para a ciência econômica contra a "Escola Histórica" de economistas que valorizavam a inserção do processo econômico em tendências evolutivas da história da humanidade. |
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O pensador Max Weber(1864-1920), enquanto analisando o ponto de vista de cada uma destas facções de teóricos da ciência econômica, defendeu uma posição favorável à pesquisa empírica e histórica, distinguindo-se a ciência econômica da história. Com isto, conforme ressalta MONTEIRO[2], Weber apresenta pela primeira vez seu próprio projeto de conhecimento: realizar o que a escola histórica quis fazer de forma inadequada, isto é, a transformação da história em ciência empírica. Na esteira de seus pensamentos acerca do que distinguiria uma ciência ou área de conhecimento de outra, Weber acaba chegando a algumas conclusões pessoais, como a citada por MONTEIRO(1). |
"O fruto da árvore do conhecimento, afirmava Weber, desagradável para nossa comodidade humana, mas irresistível, não seria outra coisa senão saber que cada ação individual importante e, em última análise, a vida em sua totalidade, caso não queiramos que ela decorra como fenômeno natural, mas que seja realizada de modo perfeitamente consciente, consistiria em uma cadeia de decisões últimas pelas quais a alma escolheria, como em Platão, seu próprio destino - isto é, o sentido de seu agir e de seu ser. O destino de uma época cultural que provou o fruto da árvore do conhecimento, dizia Weber, seria o de ter de saber que não podemos deduzir o sentido dos acontecimentos mundiais a partir dos resultados do seu estudo, por mais completo que este fosse; mas pelo contrário, que deveríamos ser capazes de o criar por nós próprios, que as "concepções do mundo" nunca poderiam ser produto de um saber empírico progressivo". |
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(2) Weber, 1979, p 21-22, apud MONTEIRO, J. Cauby S.[2] |
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A intelectualização e racionalização crescente, características do final do século XIX, não indicariam, portanto, um conhecimento maior e geral das condições sob as quais vivemos. Significaria, sim, a crença em que, se quiséssemos, poderíamos ter esse conhecimento a qualquer momento. Significaria principalmente, como escreveu Weber, que não haveria forças misteriosas incalculáveis, mas que poderíamos, em princípio, dominar todas as coisas pelo cálculo. Este raciocínio de Weber conduz à sua conclusão de que naquele momento o mundo teria sido "desencantado". Em sua teoria acerca das ações individuais dos seres humanos, Weber aborda e define o termo "conceito" [2]. Segundo Weber, este termo é usado para designar cada imagem mental, mesmo sendo individual, que uma pessoa elabora. Esta "imagem mental" é construída por meio da elaboração lógica de variedades empíricas. |
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2.3. Jean Piaget |
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Jean Piaget (1896-1980) estudou, durante sua vida, diversos assuntos, dentre eles psicologia do desenvolvimento e epistemologia genética[8]. Ele desenvolveu sua teoria da cognição através da observação de crianças, algumas das quais eram as suas próprias. Suas pesquisas tiveram uma meta principal, que foi a de responder a questão: como cresce o conhecimento? A sua resposta está destacada no comentário (3). |
"O crescimento do conhecimento é uma construção progressiva de estruturas encapsuladas logicamente, envolvendo umas às outras por um processo de inclusão, do significado logicamente menos importante aos significados mais poderosos e importantes, na fase adulta do indivíduo". |
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(3) Jean Piaget, apud SMITH, L. [8]. |
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Esta idéia, segundo [8], implica em que a lógica infantil e os seus modos de pensamento são inicialmente diferentes dos de adultos. O crescimento intelectual envolve três processos fundamentais: assimilação, acomodação, e equilíbrio. A assimilação envolve a incorporação de novos eventos em estruturas cognitivas pré-existentes. A acomodação significa que as estruturas existentes modificam-se afim de acomodar-se a novas informações. Este processo dual, de assimilação-acomodação, permite que a criança forme esquemas. O equilíbrio envolve que a pessoa faça um balanço entre si e o ambiente a sua volta, e entre a assimilação e a acomodação. Quando uma pessoa experimenta um novo evento, segundo Piaget[9], ocorre um desequilíbrio até que a pessoa esteja apta a assimilar e acomodar a nova informação e assim reestabelecer o equilíbrio. Existem vários tipos de equilíbrio entre assimilação e acomodação, que variam conforme o nível de desenvolvimento e os problemas a serem resolvidos. Para Piaget, o equilíbrio é o fator principal para explicar porquê algumas crianças avançam mais rapidamente no desenvolvimento da inteligência do que outras (Lavatelli, 40). |
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2.4. Nonaka e Takeuchi |
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Dois pensadores orientais têm sido de fundamental importância na estruturação dos conhecimentos acerca de Gestão do Conhecimento: Nonaka e Takeuchi. Segundo estes, conforme cita NETO[4], a resposta para a pergunta:"O que é o conhecimento?" orienta a história da filosofia desde o período grego. Ao invés de responder diretamente a esta pergunta, aborda-se neste trabalho dois aspectos do conhecimento, amplamente discutidos, que são: a aquisição e a classificação do conhecimento. Com relação à aquisição de conhecimento, a história da epistemologia ocidental divide-se tradicionalmente em duas correntes opostas, uma racionalista e outra empirista, consideradas complementares por Nonaka e Takeuchi. O Racionalismo afirma ser possível adquirir conhecimento por dedução, através do raciocínio, e o Empirismo afirma ser possível adquirir conhecimento por indução, através de experiências sensoriais. Uma importante classificação dos tipos de conhecimento feita por Nonaka e Takeuchi diz respeito à distinção entre o conhecimento tácito e explícito(4). Nonaka e Takeuchi chegaram a esta classificação do conhecimento após anos de análise do comportamento de indústrias japonesas com relação ao assunto conhecimento. As empresas japonesas consideram que "o conhecimento expresso em palavras e números é apenas a ponta do iceberg. Vêem o conhecimento como sendo basicamente "tácito" - algo dificilmente visível e exprimível. O conhecimento tácito é altamente pessoal e difícil de formalizar, o que dificulta a sua transmissão e compartilhamento com outros"[3]. |
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"O conhecimento tácito é pessoal, específico ao contexto, e assim difícil de ser formulado e comunicado. Este conhecimento possui tanto elementos cognitivos quanto técnicos. Os elementos cognitivos, também chamados de modelos mentais por Johnson-Laird, são esquemas, paradigmas, perspectivas, crenças e pontos de vista que auxiliam os indivíduos a perceberem e entenderem o seu mundo". "O conhecimento explícito ou "codificado" refere-se ao conhecimento transmissível em linguagem formal e sistemática. É objetivo, fácil de ser comunicado e compartilhado pois pode ser expresso em palavras, números, dados brutos, fórmulas científicas, procedimentos codificados ou princípios universais". |
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(4) Nonaka e Takeuchi, 1997 [3]. |
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Existe uma distinção entre dados, informações e conhecimento, ressaltada por Nonaka e Takeuchi. |
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"A informação é um meio ou material necessário para extrair e construir conhecimento, e esta afeta o conhecimento acrescentando-lhe algo ou o reestruturando". |
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(5) Nonaka e Takeuchi, 1997[3]. |
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Nonaka e Takeuchi, apud NETO[4], observam três pontos que consideram como base fundamental da diferenciação entre conhecimento e informação: crenças e compromissos, ação e significado. Os autores argumentam que "o conhecimento, ao contrário da informação, diz respeito a crenças e compromissos. Em segundo lugar, o conhecimento está relacionado à ação, ao contrário da informação. Assim como a informação, o conhecimento diz respeito ao significado, é específico ao contexto". Com relação a este conceito, os autores também afirmam que "a informação é um fluxo de mensagens, enquanto o conhecimento é criado por este próprio fluxo de informação, ancorado nas crenças e compromissos de seu detentor". |
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3. Sistema Cognitivo |
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Os fatores que influenciam a cognição são chamados de fatores de percepção e processamento (FsPP), e são intrínsecos ao sujeito, são parte sua, não podendo dele serem extraídos. Estes fatores compreendem:
Em um sistema cognitivo, os elementos que o compõem interagem entre si e influenciam-se de forma dinâmica, não apenas em uma relação de causa e efeito, como A em B, mas sinergicamente, e circularmente, a ação em um determinado elemento influencia todos os demais. Os dados são coletados do ambiente através da percepção individual, que está sob influência direta dos fatores de percepção e processamento[5]. |
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5. Referências Bibliográficas/Bibliowébicas |
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[1] theory.org.uk. "Theodor Adorno". Fonte: http://www.theory.org.uk/ctr-ador.htm Consultado em: 04-Set-2003. [2] MONTEIRO, J. Cauby S., CARDOSO, Adalberto Trindade. "Max Weber e o individualismo metodológico". 3O Encontro Nacional da ABCP - Associação Brasileira de Ciência Política. Área: Teoria Política, Painel: Cânones em questão: Aspectos teóricos e epistemológicos 28 - 31 julho 2002. UFF. Niterói. Fonte: http://www.cienciapolitica.org.br/encontro/teopol5.2.doc. Consultado em: 03-Set-2003. [3] NONAKA, Ikujiro, TAKEUCHI, Hirotaka. "Criação do Conhecimento na Empresa - Como as empresas japonesas geram a dinâmica da inovação". Rio de Janeiro: Campus, 1997. 8a. ediço. [4] NETO, Reinaldo Cherubini. "O que é conhecimento? Sintetizando Epistemologia, Metodologia e Teoria de Sistemas em uma nova proposição". Programa de Pós-Graduação em Administração - UFRGS. [5] CHIAVENATO, Idalberto. "Introdução à Teoria Geral da Administração". 4ed. São Paulo, McGraw-Hill, 1993. [6] ADORNO, Theodor. "Minima moralia. Reflections from damaged life". Fonte:http://www.ldb.org/adorno.htm Consultado em: 04-Set-2003. [7] LECHTE, John. "Fifty Key Contemporary Thinkers". Routledge, 1994. Fonte:http://pratt.edu/~arch543p/help/Adorno.html Consultado em: 04-Set-2003. [8] SMITH, Leslie. "A Short Biography of Jean Piaget". Adaptado de "Smith, L. (1997). Jean Piaget. In N. Sheehy, A. Chapman. W.Conroy (eds). Biographical dictionary of psychology. London: Routledge". Fonte:http://www.piaget.org/biography/biog.html Consultado em: 10-Set-2003. [9] GINN, Wanda Y. "JEAN PIAGET - INTELLECTUAL DEVELOPMENT". Fonte: http://www.sk.com.br/sk-piage.html Consultado em: 10-Set-2003. |
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6. Sobre o presente documento |
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Autor: Leandro Camara Ledel | |
E-mail: leandro@dca.fee.unicamp.br | |
Data início: 03-Set-2003 | |
Última alteração: 10-Set-2003 |